domingo, 1 de dezembro de 2019

Sobre o que foi dito.


A verdade é que a gente subestima o poder das palavras.
Ninguém pensa muitos nas consequências do que diz.
Mas, antes de ser dito, já foi pensado e, por assim dizer, de nada adianta aquela história de falar sem pensar.
Não volta. Palavra dita é presença, não há como voltar atrás.
E, assim como a palavra pode curar, pois eu já me curei muitas vezes com ela, pode causar males que julgo irreparáveis.
Só eu sei o quanto me doeu aquela última conversa.
Só eu sei como aquelas palavras latejavam na minha mente enquanto eu via o que precisa ser visto - ou nem precisava, verdade seja dita.
Mas tá aí, a verdade veio - e não foi dita, foi mostrada.
Do dito, ficou só a mentira.
Aquela que, mesmo depois de tanto tempo, você insiste em dizer que não é.
Fim de caso.
A verdade dói de uma vez.
E pronto, acabou.
Como um parto natural.
A mentira não. 

Machuca.
Inflama. 

Infecciona.
Pode gangrenar, pode levar a óbito.
Na melhor das hipóteses, te deixa uma cicatriz. 

Nítida, visível.
Um lembrete para o resto da vida - aqui jaz toda dor da palavra mal dita (maldita).

domingo, 14 de julho de 2019

Do latim, amar.


Nós éramos sílabas destoantes, Zé.
Eu sempre tônica, oxítona, paroxítona, proparoxítona.
Ele, átono. Monossilábico.
Ainda assim, tínhamos o que eu jamais tive com outra pessoa.
Éramos rima do mesmo verso.
Métrica perfeita, rima maior, dodecassílabos.
Ele me lia como ninguém.
E eu nunca fui capaz de fazer o mesmo.
Nem com ele, nem comigo.
Faltava nexo, coesão.
Não havia coerência nos fatos.
Eu prometi uma espera, mas já sabia no segundo seguinte que ela não aconteceria.
Hoje somos hiatos, distantes, longínquos.
Queria mesmo ser ditongo aberto, daqueles que enchem o peito e a alma.
Sem barbarismo, assonância, aliteração.
Sem a cacofonia da vida.
Queria o pretérito mais-que-perfeito.
Mas ele nunca veio.
Sobrou-me o futuro do pretérito que ficou para trás e esse vazio que ninguém sabe ler.

Sobre o erro.


Eu gostaria de entender por que o erro nos incapacita tanto.
Não consigo aceitar isso bem, a gente está sempre se esforçando para fazer o melhor, e aí por conta de um mínimo detalhe, de algo que fugiu ao seu controle, de algo que você não tinha como prever, de algo que não dependia só de você, o mundo desaba.
Parece que todo valor e todas as qualidades que te pertencem não são suficientes, não servem de nada.
É só o erro que te identifica, a cruz a ser carregada, aquilo que delimita a sua existência.
Te reduz a pouco ou nada
Sempre tem aquele papinho de que a gente aprende com os erros, mas até aprender, a gente sofre um bocado por conta deles.
Se os erros nos definem, por que iremos querer acertado no fim das contas?

domingo, 7 de julho de 2019

Contramão.



Eu tenho medo do mundo, Zé.
Cada dia mais.
Tenho medo das pessoas e do que elas têm se tornado, como têm agido.
A existência em si me preocupa.
Tem doído ser gente nos dias de hoje. Parece que estamos caminhando sempre para o fim, parece que nunca vai ter jeito, parece que sempre vai piorar.
E piora, Zé, piora mesmo, piora muito. Sempre que eu penso estar dando passos mais seguros em busca do que quero e do que acho certo, parece que a vida age de modo a me incapacitar.
Me deixa de mãos atadas.
E não há nada no mundo pior do que estar de mãos atadas.
Ainda pior do que fazer errado é não poder fazer nada.
E há uma grande mentira nessa história de o que não tem remédio, remediado está.
Se não tem remédio, não tem cura, então não há como superar. Vai doer sempre, vai doer na carne até o último suspiro, até o sopro de vida se esvair.
E aí eu te pergunto, Zé, de que adianta? De que vale a vida se é para ser vivida assim?
Eu não tenho lá tantos anos, mas confesso que já me bate um cansaço de ser e estar por aqui.
Eu tenho medo do mundo e tenho cada vez menos vontade de fazer parte dele.
Como eu sempre te falo, tenho uma vontade enorme de ir embora.
Mudar daqui, mudar de mim.
Porque estou sempre na contramão do caminho a seguir.

Gatilho II


Medo.
Medo.
Medo.
Medo.
Medo.
Até o coração palpitar.
A cabeça não pára.
O sono não vem.
O corpo dói por não suportar o fardo que é ser, sentir.
Tudo cansa.
Tudo é demais.
É muito peso para carregar em uma estrutura tão frágil.
Penso em desistir.
O tempo todo, um pouco mais a cada minuto que passa.
Acho que não vou conseguir nunca.
E nunca vai dar certo.
Dói. Machuca.
Exige um pouco mais.
Cansa, maltrata.
Me leva a confrontar o caos que existe aqui dentro.
Eu tento parar.
Mas a verdade é que não para nunca.
E volta a martelar.
Volta a doer.
Volta a incomodar.
Eu sou uma ilha.
Com tudo o que já morreu.
Com tudo o que já mataram em mim.
Com tudo o que ainda não morreu, mas vai, um dia.
Sempre que eu penso estar chegado a um ponto de equilíbrio, vem a onda a e me vira do avesso.
Me tira o sossego.
Me faz perder o juízo.
O dia é uma batalha invencível, em que eu morro um milhão de vezes para sobreviver no fim.
Eu só quero respirar sem dor.
Eu só quero caminhar sem peso.
Eu só quero existir sem medo.